Na piedade popular, os sete dias
que antecedem a “Semana Santa”, a “Semana Maior”, são dedicados à meditação e
contemplação das “Sete Dores de Nossa Senhora”. Este ciclo mostra a participação
de Nossa Senhora no sofrimento de seu
Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, desde a sua infância até o seu sepultamento.
Emoldurada pela quaresma e
pela liturgia quaresmal, a solene recordação das Dores de Nossa Senhora tornar-se para o
fiel uma introdução pedagógica no
mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
“Uma espada traspassará a tua alma” (Lc 2, 35). “O pai e a mãe
ficavam admirados com aquilo que diziam do menino. Simeão os abençoou e disse a
Maria, a mãe: ‘Este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em
Israel. Ele será um sinal de contradição – uma espada traspassará a tua alma! –
e assim serão revelados os pensamentos de muitos corações’” (Lc 2, 33-35).
A profecia do velho Simeão descortina um horizonte de preocupação para Nossa
Senhora: Como seu filho seria causa de queda e reerguimento para muitos em
Israel? Como ele seria um sinal de contradição? O que queria dizer que seriam
revelados os pensamentos de muitos corações? E mais, o que significaria
concretamente que uma espada traspassaria a sua alma?
Ao término da primeira peregrinação em Jerusalém, resta no coração
de Nossa Senhora mais perguntas que respostas, mais incerteza do que segurança.
Uma nuvem escura começa a pairar na vida de Nossa Senhora, a primeira espada de
dor está cravada em seu doce e imaculado coração. Nossa Senhora das Dores,
rogai por nós!
“José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para o
Egito”(Mt 2, 14). “Depois que os magos se retiraram, o anjo do Senhor
apareceu em sonho a José e lhe disse: ‘Levanta-te, toma o menino e sua mãe e
foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o
menino para mata-lo.’ José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e
retirou-se para o Egito; e lá ficou até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o
que o Senhor tinha dito pelo profeta: ‘Do Egito chamei o meu filho’”(Mt 2,
13-15).
A volta de Belém, depois dos
acontecimentos do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, não foi para o aconchego da casinha em
Nazaré. Interrompendo o silêncio de uma noite, era preciso ajuntar o pouco que
tinham levado a Belém, juntamente com os presentes dos pastores e dos magos, e
partir para o desconhecido, o desterro, fugir da fúria de Herodes que desejava
matar o Menino Jesus.
Os planos de José e Maria foram
interrompidos, frustrados. Era preciso mudar de rota, refazer as estratégias,
começar de novo em lugar desconhecido, sem estarem preparados. A nuvem escura
na vida de Nossa Senhora torna-se mais densa, a segunda espada de dor está
cravada em seu terno e materno coração. Nossa Senhora do Desterro, rogai por
nós!
“Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu estávamos,
angustiados, à tua procura”(Lc 2, 48). “Todos os anos, os pais de Jesus iam
a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando completou doze anos, eles foram para
a festa, como de costume (...) ‘Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devo
estar naquilo que é de meu Pai?’ Eles, porém, não compreenderam a palavra que
ele lhes falou”(Lc 2, 41-52).
A peregrinação em Jerusalém, fato
vivido anualmente na alegria da fé e da convivência com familiares e vizinhos,
transforma-se em apreensão: na hora de voltar para casa, o adolescente Jesus
não é encontrado, ficara no templo, entre os doutores, ouvindo e
questionando-os inteligentemente.
José e Maria começam a
compreender que Jesus adolescente começa a escapar-lhes, ele tem uma missão,
que recebeu do Pai, e dela não se afastará, ainda que isto provoque angústia no
coração daqueles que mais ama. A nuvem escura no coração de Maria assume
contornos ilimitados, a terceira espada de dor está cravada no coração de Nossa
Senhora. Nossa Senhora da Angústia, rogai por nós!
“Mulheres de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e
por vossos filhos!”(Lc 23, 28). “Enquanto levavam Jesus, pegaram um
certo Simão, de Cirene, que voltava do
campo, e mandaram-no carregar a cruz atrás de Jesus. Seguia-o uma grande
multidão do povo, bem como de mulheres que batiam no peito e choravam por
ele”(Lc 23, 26-27).
Nosso Senhor Jesus Cristo não
estava só em Jerusalém, acompanhava-o os apóstolos, as piedosas mulheres, os
discípulos e, certamente, Maria, sua mãe. Nossa Senhora acompanhou os
acontecimentos da noite, após a Última Ceia: a agonia, prisão, flagelação e
condenação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Agora, acompanhava-o no caminho do
calvário.
Naquele meio da manhã de sexta feira, no caminho do calvário,
não foi possível sequer um abraço, mas houve o encontro dos olhares do Filho e
da Mãe, acompanhado do silêncio, em contraste com o burburinho da turba. A
nuvem escura no coração de Maria preanuncia tempestade, a quarta espada de dor
está cravada no coração de Nossa Senhora. Nossa Senhora do Caminho do Calvário,
rogai por nós!
“Junto à cruz de Jesus, estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe,
Maria de Cléofas, e Maria Madalena”(Jo 19, 25). “Jesus, ao ver sua mãe e,
ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: ‘Mulher, eis o teu
filho!’. Depois disse ao discípulo: ‘Eis a tua mãe!’. A partir daquela hora, o
discípulo a acolheu no que era seu”(Jo 19, 26-27).
Na solidão do calvário, na hora
derradeira, mesmo entre soldados e curiosos, suspenso entre a terra e o céu,
Nosso Senhor Jesus Cristo vê sua mãe e o discípulo São João; dirige-lhes não só
o olhar, mas palavras derradeiras de cuidado; através de João, complementando o
seu testamento, confia a Igreja a Maria e entrega Maria à Igreja.
Doravante, a Igreja não estará
só, terá a companhia de Maria; Maria, não estará só, estará na Igreja. A nuvem
escura no coração de Maria transforma-se em violenta tempestade, a quinta
espada de dor está cravada no coração de
Nossa Senhora. Nossa Senhora das Lágrimas, rogai por nós!
“Então Pilatos mandou que lhe entregassem o corpo”(Mt 27,58). “Ao
entardecer, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, que também se
tornara discípulo de Jesus. Ele foi procurar Pilatos e pediu o corpo de
Jesus”(Jo 27, 57-58).
Arimatéia, ajudado por João, o
discípulo amado, pelas mulheres piedosas, e outros que ali se encontravam,
desce o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo da cruz e entrega-o a Nossa Senhora
que, genuflexa, o recebe sem vida em seus braços.
A fonte da vida, sem vida,
repousa no abraço da mãe desfalecida. A nuvem escura no coração de Maria
torna-se noite, solidão e abandono, a
sexta espada de dor é cravada no coração
de Nossa Senhora. Nossa Senhora da Piedade, rogai por nós!
“José comprou um lençol de linho, desceu Jesus da cruz, envolveu-o no
lençol e colocou-o num túmulo escavado na rocha; depois, rolou uma pedra na
entrada do túmulo”(Mc 15,46). “As mulheres que com Jesus vieram da
Galiléia, acompanharam José e observaram o túmulo e o modo como o corpo ali era
colocado”(Lc 23, 55).
Nossa Senhora acompanha, na
esperança, o sepultamento do Filho. Tudo está terminado. Podemos colocar em
seus lábios o canto triste da Verônica: “Ó vós todos que passais pelo caminho,
olhai e vede se há dor semelhante à minha dor!”
Nosso Senhor Jesus Cristo, no
silêncio máximo do sábado santo, desce ao “inferno” para resgatar as pessoas
boas que o aguardaram por séculos. A nuvem atinge o máximo da escuridão no
coração de Nossa Senhora, a sétima espada de dor é cravada em seu coração.
Nossa Senhora Abandonada, rogai por nós!
Nossa Senhora nos ajude a
aproximarmos do mistério da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus
Cristo, com o seu olhar e o seu coração. Santa
Semana Santa a todos!
+ Tomé Ferreira da Silva
Bispo Diocesano de São José do
Rio Preto/SP