Nada melhor do que compreender o sentido das duas palavras que dão título ao nosso texto. O dicionário “Aurélio” oferece as seguintes definições: fé é “adesão e anuência pessoal a Deus, seus desígnios e manifestações”; superstição é “sentimento religioso baseado no temor ou na ignorância, e que induz ao conhecimento de falsos deveres, ao receio de coisas fantásticas e à confiança em coisas ineficazes”.
Entre a fé e a superstição encontra-se um
longo caminho. A superstição pode ser, em alguns casos, uma forma de degeneração
natural da fé. A superstição é multiforme, tem uma ampla tipologia, nem sempre
de natureza estritamente religiosa, podendo ser manifestação de fundo cultural,
folclórico, moral ou de hábitos praticados por longo tempo e passados de geração
em geração, sem muita razoabilidade, mas fundado em uma crença de natureza não
muito bem definida.
Corre-se o risco de adjetivar injustamente
algumas práticas religiosas, no caso do catolicismo, expressões da piedade
popular, como supersticiosas. Fazer o sinal da cruz em diversas circunstâncias,
repetir uma jaculatória em ocasiões específicas, cumprir um determinado ritual
diante de uma necessidade, fazer reverência diante de uma imagem sagrada,
carregar consigo um objeto devocional, entre outros,
não pode ser considerado uma superstição pura e simplesmente.
A fé é sempre um mistério, impossível de
ser abarcada absolutamente pelo humano. Ela ultrapassa o homem e suas
faculdades, embora seja sempre razoável e compreensível pela inteligência, mas
esta não pode dissecá-la completamente, colocando-a a seu serviço,
manipulando-a. A fé sempre nos transcende, eleva-nos consigo, introduzindo-nos
no mistério. A natureza transcendente da fé torna-a inesgotável ao humano, na
sua acessibilidade, compreensão e expressão simbólica.
O discurso da fé será sempre simbólico e
precisará manifestar-se de múltiplos modos. A compreensão e a expressão da fé
poderão sofrer um processo de degeneração natural, fruto das adaptações
necessárias para atingir as pessoas em seus mais diversos estados sociais e
culturais. Traduzir o inefável em linguagem humana e torná-lo compreensível, pode implicar reduções e desvios. Em outras palavras, a fé
é unívoca, mas a sua compreensão e expressão são equívocas, fonte dos diversos
reducionismos possíveis. A equivocidade não pertence à fé, mas ao modo como a
compreendemos e expressamos.
A superstição de índole religiosa poderá
ser conseqüência do que dissemos acima. Mas não podemos confundir manifestações
da piedade popular, justas formas de aproximação e expressão do sagrado, como
sendo supersticiosas e nocivas à vida cristã do fiel. Estas manifestações
asseguraram e asseguram a fé, e sua transmissão, a muitas gerações de pessoas,
também entre nós, no Brasil e em São Paulo.
A razoabilidade da fé expressa na linguagem
teológica, litúrgica e moral, nem sempre é acessível às pessoas, seja pelo
analfabetismo funcional, fruto de uma situação social, ou porque elas não foram
objeto do trabalho pastoral das diversas instâncias eclesiais que não lhe
ofereceram uma oportunidade de sólida iniciação à vida cristã e educação da
fé,
recebida no batismo, no caso da Igreja Católica Apostólica Romana.
A fé dos simples, e as suas diversas
manifestações, é uma preciosidade a ser devidamente cultivada e burilada, mas
não um mal a ser extirpado. É triste verificar, em muitos casos, que uma
pseudo-educação da fé tem levado muitas pessoas a perderem a simplicidade, a
beleza e o vigor da fé na inspiração do viver do fiel, comprometendo a sua vida
e presença cristã na sociedade e na Igreja.
Um iluminismo religioso, legitimado em nome
de uma ação pastoral para suprimir a ignorância religiosa, pode acarretar
conseqüências nefastas, mais afastando do que aproximando as pessoas da vida de
fé. Informar por informar não conduz ao mistério, razão de ser da vida de fé. Na
vida de fé, razoabilidade não é sinônimo de racionalismo.
+ Tomé Ferreira da
Silva
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