INTRODUÇÃO
Ecoa na memória o colorido, o som e os passos
do carnaval; para uns evocando saudade, para outros alívio. Sem anunciar-se,
embora esperada,
a quarta-feira de cinzas sinalizou o fim da folia, persistente, à revelia, em
alguns lugares.
A quaresma deve ser uma
ruptura no modo de viver o tempo, propõe uma ruptura na vida. Está em
tempo de falar da quaresma, de propô-la e repropô-la
como propedêutico do Tríduo Pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo; um kairós, tempo dado por Deus para nossa conversão, pois eu sou, tu és, nós somos pecadores.
Que bom, como membros da
Arquidiocese de São Paulo, na Região Episcopal Ipiranga, nos encontrarmos na Paróquia - Santuário
São Judas Tadeu que, de algum modo, é um
reflexo da cidade de São Paulo na diversidade, pluralidade e acolhida aos fiéis provenientes de todos os
lugares.
Unidos à Igreja Católica
Apostólica Romana, no Brasil, em sintonia com a Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil, como fiéis desta plural e bela Arquidiocese de São Paulo, queremos
marcar o início oficioso da 48ª Campanha da Fraternidade, com o tema
“Fraternidade e Saúde Pública”, e o lema “Que a saúde se
difunda sobre a terra”(Eclo
38,8).
EVANGELHO
A proclamação de dois
versículos, quatorze e quinze, do nono capítulo do Evangelho de São Mateus,
coloca-nos diante de uma
riqueza temática extraordinária, unindo na resposta a uma pergunta dos
discípulos de João, o Batista, a pessoa de Jesus Cristo- esposo, o mistério de
sua Cruz e a realidade do jejum.
A prática do jejum parece
tão antiga quanto a humanidade, sempre presente nas
grandes religiões. Era recomendada pelo judaísmo, e por seu intermédio foi
assimilada pelos discípulos do Batista, que assumiram, a seu modo, a
austeridade do mestre.
Na pergunta dos austeros
discípulos de João, “Por que razão nós e os fariseus jejuamos, enquanto
os teus discípulos não jejuam? ”, parece estar
escondido um estranhamento ao comportamento
habitual de Jesus Cristo e de seus discípulos, que se sentiam livres das
prescrições do judaísmo, diante da liberdade dos novos filhos e filhas de Deus,
inaugurada pelo próprio Divino Salvador.
A pergunta foi uma
ocasião propícia para Jesus Cristo revelar-se. Eis a sua resposta: “Por acaso
podem os amigos do noivo estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias
virão, quando o noivo lhes será tirado; então, sim, jejuarão.”
Na resposta que brota dos
lábios de Jesus Cristo, várias realidades teológicas: Ele é o esposo no novo
Povo de Deus, prolongando o tema profético de “Deus esposo de Israel”(Jo 3, 29, Mt 22, 2, Ap 19,
7.9); anuncia o mistério da Cruz que o aguarda, prospecta o tempo escatológico
da Igreja, colocando-a no horizonte da parusia.
REFLEXÃO
Você, eu, nós formamos a
Igreja. Estamos no tempo escatológico, intermédio entre a ascensão de Jesus
Cristo e o seu retorno glorioso, no fim dos tempos, a parusia,
que aguardamos na fé e na esperança.
Iluminados pela fé e
esperança na parusia, clamamos
continuamente: Maranathá! Vem Senhor Jesus! É o que
rezamos continuamente após a consagração das espécies eucarísticas, durante a
missa: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a
vossa vinda!” Ou ainda: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e
proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”
O jejum não é apenas um
sinal de purificação interior ou expressão de um desejo de conversão. É também
um sinal escatológico que aponta para a glória de Jesus Cristo, da sua Igreja e
do mundo que virá.
“O jejum torna-se,
então, expressão de tristeza pela separação do esposo e privação de sua
presença física, meio para ter o coração livre de vaidades que o impedem de ser
disponível aos apelos de Deus, participação nos sofrimentos dos irmãos, nos
quais perdura o sofrimento de Cristo”.
O jejum que nos é
proposto pela quaresma tem uma dimensão essencialmente eclesial, “está
ligado aos dias que a Igreja na terra dedica à espera e à preparação”. É
um brado de esperança diante da promessa da volta de Jesus Cristo,
“quando será então possível gozar plenamente dos bens criados”.
Alguns, por conta e
responsabilidade própria, mas não em nome da Igreja, relativizam
as práticas penitenciais e assim, também o jejum. Eles problematizam a
distinção entre o tempo da presença física de Jesus Cristo e o tempo posterior
à sua ressurreição. A fé na ressurreição assegura a presença perene de Jesus
Cristo entre os seus, de acordo com sua promessa. Assim, segundo estes, o tempo
novo inaugurado por Jesus Cristo é de alegria e salvação, sem necessidade de
ficar triste, de práticas penitenciais e sem espera. Entre a audácia dos pseudo-teólogos, e a prudência da Igreja, Mãe e Mestra, é
preferível confiar nela.
A leitura que ouvimos do
profeta Isaías faz
pensar no risco da inautenticidade do jejum, quando
não há coerência entre convicção e comportamento, quando não nasce do coração,
mas fica formalizado externamente no cumprimento do preceito, não tornando-se expressão de amor a Deus presente nos irmãos
empobrecidos.
“Jejum, penitência
e oração são destituídos de valor e de sentido se não forem vivificados pela
caridade e acompanhados das obras de justiça. O jejum agradável a Deus consiste
em libertar-se do egoísmo e prestar alívio e ajuda ao próximo.”
A prática da caridade
está numa relação umbilical com o jejum. O foco da vida cristã não é o jejum,
mas volta-se para a caridade, sempre importante e agradável a Deus. Na
quaresma, o jejum ajuda a apaziguar as paixões do coração para torná-lo próximo
dos irmãos através da caridade.
CONCLUSÃO
Os versículos sete e oito
da primeira leitura do Profeta Isaías nos remetem à Campanha da Fraternidade
deste ano. Eles dizem que
se repartimos o pão com o faminto, se praticamos a hospitalidade,
se vestimos o nu, a nossa “luz brilhará como a aurora e a nossa saúde há
de recuperar-se mais depressa.” Invocaremos a Deus e ele prestamente
responderá: “Eis-me aqui!”
Na mensagem que nos
dirige, o Papa Bento XVI sintetiza o objetivo da Campanha da Fraternidade:
“Suscitar, a partir de uma reflexão sobre a realidade da saúde no Brasil,
um maior espírito fraterno e comunitário na atenção aos enfermos e levar a
sociedade a garantir a mais pessoas o direito de ter acesso aos meios
necessários para uma vida saudável”.
O lema bíblico “Que
a saúde se difunda sobre a terra” recorda que “a cura perfeita é o
perdão dos pecados, e a saúde por excelência é a da alma, pois que
‘adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma?’(Mt 16, 26).”
Lembrando a palavra de
Jesus Cristo “Eu estava doente e cuidaste de mim”(Mt
25,36), “segundo o verdadeiro espírito quaresmal,
possa esta Campanha da Fraternidade inspirar no coração dos fiéis e das pessoas
de boa vontade uma solidariedade cada vez mais profunda para com os enfermos,
tantas vezes sofrendo mais pela solidão e abandono do que pela doença”.
Não nos esqueçamos que
“se por um lado, a doença é prova dolorosa, por outro, pode ser, na união
com Cristo crucificado e ressuscitado, uma participação no mistério do
sofrimento d’Ele para
a salvação do mundo. Pois, ‘oferecendo o nosso sofrimento a Deus por meio
de Cristo, nós podemos colaborar na vitória do bem sobre o mal, porque Deus
torna fecunda a nossa oferta, o nosso ato de amor’”.
Que Nossa Senhora da
Saúde, titular da igreja mais antiga e bela desta Região Episcopal, nos ajude a
viver bem este tempo da quaresma e a Campanha da Fraternidade.
+ Tomé Ferreira da Silva
Bispo Auxiliar da
Arquidiocese de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário